Uma situação no mínimo injusta com os desenvolvedores freelancers tem tudo para começar a ser resolvida a partir deste mês de abril: o direito de ser MEI (Microempreendedor Individual) usando a sua denominação original. Por incrível que pareça, a categoria não é enquadrada nesse regime.
Hoje, os devs autônomos ou que trabalham informalmente ou fazem uma ginástica para adaptar as suas atividades em outros CNAEs (Classificações Nacionais de Atividades Econômicas-Fiscais), mesmo que essas classificações não mantenham exatamente uma relação com a atividade desenvolvida por eles. É o caso de “Editor de lista de dados e outras informações (!)”, um dos recursos utilizados.
Essa ginástica para encontrar uma forma de ter o direito de se beneficiar do regime diferenciado é tema de muitos fóruns de discussão na internet. E alvo de uma chuva de críticas: “A categoria correta para essa atividade (programador) seria a 6202-3, desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis, mas essa atividade simplesmente não está na lista de atividades permitidas do MEI.
Ou seja, se você quiser se formalizar como empreendedor para criar programas de computador, dentro da lei, no mínimo deverá abrir uma empresa sob o Simples Nacional”, diz André Machado, no artigo “Quer ser programador no Brasil? Desista!”.
Discussão chega ao Senado
O primeiro grande passo para a criação de um MEI para desenvolvedor foi dado em 2017, com a Sugestão Legislativa (SUG) 59/2017, que está pronta para entrar na pauta da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Essas sugestões de leis são recebidas no Portal e-Cidadania do Senado e têm como origem iniciativas da própria sociedade. Para que sejam encaminhadas à Comissão, é necessário obter o mínimo de 20 mil assinaturas em um período de quatro meses. A SUG do MEI para desenvolvedor conseguiu vencer essa etapa.
Uma vez transposta essa exigência, as SUGs vão para votação dos senadores e, se tudo der certo, viram projetos de lei. No caso em questão, a Sugestão Legislativa vai alterar a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar 123/2006) para incluir esses profissionais como MEI.
Segundo informações publicadas no portal do Senado, o que se busca é a “inclusão das atividades de desenvolvimento de sistemas e afins no quadro de CNAEs do programa MEI”. A justificativa é que “desenvolvedores podem facilmente trabalhar individualmente sem vínculo empregatício direto com o contratante, mas muitas vezes não dispõem de recursos para abrir empresa nas categorias convencionais”.
Ao lado dos programadores, o Senado chama atenção para o fato de Web Designers e outros profissionais de TI também acabarem na informalidade por não poderem ser um MEI, já que são consideradas atividades intelectuais. A ideia é também contemplá-los.
Assim, são inclusive sugeridos alguns códigos para incorporação ao regime do MEI: 6201-5/01 (desenvolvimento de programas de computador sob encomenda), 6201-5/02 (web design), 6202-3/00 (desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis), 6203-1/00 (desenvolvimento e licenciamento de programas de computador não customizáveis) e 6204-0/00 (consultoria em tecnologia da informação).
Ainda de acordo com o site e-Cidadania, a relatora da proposta, senadora Ana Amélia (PP-RS), apresentou parecer favorável à transformação da SUG em projeto de lei. Agora, é ficar atento à votação. Acompanhe a tramitação no Portal do Senado.
Vantagens e desvantagens do MEI para desenvolvedor
O bacana é que:
- Há empresas que são muito criteriosas na descrição dos serviços nas notas expedidas e o fato de desenvolvedor não ser ainda oficialmente uma ocupação permitida de enquadramento pode ser empecilho para a contratação do trabalho. Assim que a SUG virar projeto de lei esse obstáculo deixa de existir;
- Dá direito a benefícios como aposentadoria por idade (mulher aos 60 anos e homem aos 65); auxílio doença e aposentadoria por invalidez e salário-maternidade, seguro-desemprego;
- Tem custo baixo de formalização: no máximo R$ 53,70 por mês fixo;
- Simplifica os controles da empresa. Não há obrigação de contratar contador.
O ruim é que:
- O limite de faturamento é de até R$ 81.000,00 por ano, de janeiro a dezembro; Quando você se formaliza com o ano já em curso, terá que fazer um cálculo proporcional a R$ 6.750,00 por mês até dezembro do referido ano;
- A alíquota de contribuição do MEI incide sobre o valor do salário mínimo portanto não dá para contribuir de forma adicional para receber benefício superior ao salário mínimo;
- Existe restrição à expansão do negócio, já que não se pode ter sócio e nem contratar mais do que um funcionário.
Para ficar de olho:
- Não se pode usar o MEI para substituir o vínculo empregatício. Em português claro, não dá para trocar a carteira assinada pela contratação dos serviços de MEI. “O MEI prestador de serviço para empresas não pode ter com elas relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade”, diz a lei.
- Ao estourar o limite de R$ 81.000,00, o MEI passará à condição de Microempresa, sendo desenquadrado e ficando sujeito, por exemplo, a outras regras (pagamento de mais impostos, obrigatoriedade de contratar contador etc.).
- Desistir de ser MEI dói no bolso. Bruna Bassani, da PHMP advogados, alerta na página da empresa que na desistência o MEI “pagará taxas maiores do que empresas com outro regime de tributação”.
Ser empregado ou ser patrão
Independentemente do regime, se MEI ou Simples Nacional, temos abordado em outras oportunidades essa dúvida cruel pela qual a maioria já passou: ser empregado ou patrão. No artigo CLT versus PJ, nós não entramos na discussão sobre a inexistência de MEI para desenvolvedores, mas desenvolvemos aspectos bem interessantes para quem está se perguntando o que ganha e o que perde ao optar por carteira assinada ou por abrir uma empresa e prestar serviços.
Vale levar em conta os tópicos reunidos ali, antes da tomada de decisão. Liberdade para trabalhar remotamente, fazer seus próprios horários e poder participar de projetos com mais de uma empresa é realmente tentador e tem tudo a ver como o novo momento do mercado de trabalho. Mas fica a nossa dica: planeje-se para isso e não romantize demais a sua transição para empreendedor. É uma escolha que requer muita disciplina, determinação e sangue frio 😉
Dica extra de leitura:
A partir do Global Entrepreneurship Monitor, um estudo sobre empreendedorismo no mundo, a revista Exame reuniu histórias de empreendedores em diversos países. A matéria traz relatos como o de Ratna Yanti Kosasih, da Indonésia: “Uma vez que decidi sair do meu emprego, sabia que não existia caminho de volta. Meu marido disse: agora, nós não temos um paraquedas de reserva. Eu aceitei aquilo, o que significa que usei toda a minha criatividade, minhas habilidades e minha experiência profissional anterior para fazer nosso negócio crescer”.